O QUE MUDOU COM O JULGAMENTO DO TEMA REPETITIVO 1076 DO STJ E COM A LEI 14.365/22

A apreciação equitativa dos honorários de sucumbência é a possibilidade de o Juiz fixar livremente valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, sem estar adstrito aos percentuais fixados em lei, desde que continue a observar os critérios de grau de zelo profissional, lugar de prestação do serviço, tempo dispendido no litígio e importância da causa.

Há muito se discute o fato de que a apreciação equitativa permite uma margem enorme de discricionaridade e insegurança quanto ao valor que é fixado ao advogado a título de seus honorários sucumbenciais, já que depende de uma valoração individual do Juiz em cada caso.

A controvérsia em relação à questão tem origem no Código de Processo Civil de 1973, que previa, em seu art. 20, §4º[1], que nos casos de valor irrisório/inestimável (ou seja, nos casos de valor baixo), os honorários de sucumbência seriam fixados por apreciação equitativa do Juiz. Ocorre que, da forma como redigido referido artigo, sobretudo nas ações em que a parte vencida era a Fazenda Pública, essa apreciação equitativa parecia não se limitar às causas de pequeno valor, abrangendo também aquelas de elevado conteúdo econômico.

Quanto a essa questão, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.155.125/MG, em sede de recursos repetitivos, com relação ao citado art. 20, §4º do CPC/73, definiu que, vencida a Fazenda Pública, haveria a possibilidade de se arbitrar os honorários advocatícios seguindo um critério de equidade. Isso resultou na fixação de honorários advocatícios em valores irrisórios e na desvalorização da atuação do advogado, quando as causas envolviam a Fazenda.

Diante do problema, o Código de Processo Civil de 2015 teve a preocupação de regular a matéria, estabelecendo um limitar a esse arbitramento equitativo de honorários. Assim, o art. 85, § 3º do CPC 15, passou a estabelecer critérios e percentuais fixos para as causas em que a Fazenda Pública for parte.  

Entretanto, manteve-se a polêmica quanto a “fixação equitativa”, por conta da previsão do §8º do art. 65, que dispõe: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. A partir daí, a comunidade jurídica renovou o debate quanto à possibilidade de causas com valor extremamente elevado também se inserirem na definição de proveito econômico “inestimável”, estando, por consequência, sujeitas à fixação de honorários sucumbenciais por um critério de equidade.

A divergência quanto à interpretação desse artigo estendeu-se aos diversos tribunais do país. Alguns interpretavam que a apreciação equitativa dos honorários deveria ocorrer nos casos em que a aplicação dos percentuais previstos em lei levasse à sua fixação em valores desproporcionalmente elevados, seja porque julgavam que o trabalho do advogado nos casos teria sido relativamente simples, seja por vedação ao enriquecimento sem causa, enquanto outros entendiam que os percentuais da fixados na lei deveriam ser estritamente aplicados, independentemente de outras considerações.

Em vista da multiplicidade de recursos apresentados sobre a questão, esses foram afetados ao rito dos recursos repetitivos os Recursos Especiais de n.º 1850512/SP, 1877883/SP, 1906623/SP e 1906618/SP, para que se definisse se a previsão art. 85, §8º, do CPC, também se estenderia às causas de valor muito elevado.

Com o julgamento do tema repetitivo 1076, a Corte Especial do STJ estabeleceu duas teses sobre o assunto:

1. A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou do proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC, a depender da presença da Fazenda Pública na lide, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação, (b) do proveito econômico obtido; (c) do valor atualizado da causa.

 2. Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação, (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; (b) o valor da causa for muito baixo.

A Corte Especial entendeu que a previsão de proveito econômico “inestimável” seria sinônimo apenas de um valor “irrisório”, não de “elevado” e, ainda, que, a fixação dos honorários por equidade não pode ser usada como regra, mas sim exceção. Portanto, a Corte Especial decidiu pela vedação ao julgamento por equidade em causas com valor elevado, sendo certo que a fixação dos honorários de sucumbência nesses casos deve observar a forma do artigo 85, § 2º, do CPC (mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa).

Ainda sobre o tema, após a fixação do tema repetitivo pelo STJ, a Lei nº 14.365, de 03 de junho de 2022, acrescentou os incisos § 6º-A e § 8º-A ao art. 85 do CPC, trazendo limites adicionais à fixação equitativa de honorários de sucumbência.

O novo inciso § 6º-A[2] dispõe que a apreciação equitativa para a fixação de honorários advocatícios é proibida quando for possível liquidar o valor da condenação, do proveito econômico ou atualizado da causa. Prevê que somente será permitida quando se tratar das hipóteses do §8º, quando se trata de valor irrisório.

Em complementação, o novo § 8º-A[3] prevê que, nos casos de valor irrisório, o Juiz deve observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional OAB ou o limite mínimo de 10% previsto no § 2º, aplicando o que for maior.

Com o tema repetitivo e a nova lei, houve uma restrição quanto à fixação equitativa de honorários, que fica restrita só às causas que envolvam valores irrisórios.


[1]Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976) […] § 4 o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.

[2] § 6º-A. Quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo.        (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)

[3] § 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior.       (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)