Em 15 de março, o Governo editou a Medida Provisória nº1.103 (“MP 1.103”), que trouxe o Novo Marco da Securitização e criou a Letra de Risco de Seguro (“LRS”).

A LRS é a versão brasileira das Insurance Linked Securities, existentes no mercado internacional desde os anos 1990. A LRS é um título de crédito cujo retorno está ligado a determinados riscos de seguros, de previdência complementar, de saúde complementar, de resseguro ou de retrocessão.

Caso o risco atrelado à LRS não seja materializado, o investidor receberá de volta todo o capital investido, acrescido de remuneração dos ativos investidos e de prêmio pela assunção de risco. Por outro lado, caso tal risco seja materializado, o investidor pode perder parte ou até a totalidade do valor investido.

Histórico

O mercado de Insurance Linked Securities surgiu no final dos anos 1990 após o furacão Andrew e um terremoto em Northridge praticamente colapsarem os mercados de seguro na Florida e na California.

As grandes perdas decorrentes desses eventos expuseram fragilidades na estrutura de capital de seguradoras e resseguradoras e, por conta disso, houve aumento do capital requerido. Com isso, se tornou evidente a necessidade de uma nova fonte de capital com capacidade de absorver grandes perdas e o mercado de capitais atendeu essa demanda com as Catastrophe Bonds (“Cat Bonds”, a forma mais popular de Insurance Linked Securities).

Dada a baixa barreira de entrada e a baixa correlação com outros instrumentos financeiros, as Cat Bonds ganharam muita atenção no mercado de capitais. Em particular, após a crise financeira de 2008/2009, quando as Insurance Linked Securities provaram sua baixa correlação com os mercados financeiros, o interesse dos investidores por esta classe de ativos cresceu significativamente. O ambiente de baixas taxas de juros impulsionou ainda mais o influxo de capital nesse mercado.

Em 2017, a Terra Brasis (resseguradora que se fundiu com a Austral RE) foi a primeira companhia brasileira a patrocinar a emissão de Insurance Linked Securities. Por conta da inexistência de um arcabouço legal e regulatório adequados no Brasil à época, a Terra Brasis realizou essa emissão em Bermuda em parceria com companhias estrangeiras.

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), atenta a tais movimentos, realizou uma consulta pública sobre o assunto em 2020 e, em 11 de dezembro daquele ano, editou a Resolução CNSP nº 396 (“Resolução CNSP 396”) que regulamentou os Instrumentos Ligados a Seguro (“ILS”).

Segundo a Resolução CNSP 396, o ILS seria uma debênture, nota comercial ou outro instrumento de dívida, vinculada a riscos de (res)seguro emitida por um Ressegurador Local de Propósito Específico (“RPE”) e com garantia máxima de segurança, uma vez que tal instrumento seria 100% colaterizado.

Apesar da louvável iniciativa da SUSEP de regulamentar a ILS, as leis vigentes à época continham limitações que dificultaram o desenvolvimento do ILS. Com a edição da MP 1.103 e regulamentação da LRS, grande parte dessas limitações deixou de existir.

MP 1.103

Definição de LRS. A LRS é um instrumento de dívida vinculada a riscos de seguro,  que somente pode ser emitido por Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (“SPPEs”).

Riscos de Seguro e Resseguro. A LRS deve, necessariamente, estar vinculada a riscos de seguros, de previdência complementar, de saúde complementar, de resseguro ou de retrocessão.

Captação de Recursos. Os recursos captados com a emissão da LRS deverão corresponder, no mínimo, ao valor nominal total da perda máxima possível, decorrente dos riscos de seguros e resseguros aceitos, acrescido de despesas que possam ser incorridas pela SSPE, e serão utilizadas exclusivamente para a cobertura dos riscos e o cumprimento das obrigações representadas na LRS emitida.

SPPE. A SSPE é uma sociedade seguradora que tem como finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações, independentes patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguro e resseguro e seu financiamento via emissão de LRS.

Patrimônio Separado. Um aspecto essencial para o desenvolvimento do mercado de LRS está no art. 15 da MP 1.103, que prevê que a independência patrimonial entre cada LRS emitida e entre as LRS e a SPPE. Isso, porque a existência de patrimônio em separado permite que uma SPPE emita diversas LRS sem risco de uma emissão contaminar as demais, não sendo necessária a criação de uma SPPE para cada LRS (o que era necessário nos termos da Resolução CNSP 396, tratando de ILS). Outro aspecto relevante trazido pela MP 1.103 foi a redução do risco para operações estruturadas de securitização, uma vez que expressamente incluiu, por meio de seu art. 26, §4º, que a afetação ou a separação, a qualquer título, da companhia securitizadora produz efeitos em relação a quaisquer débitos, inclusive de inclusive de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista. Até a promulgação da MP 1.103, nos termos do art. 76 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, tal afetação ou separação não produzia efeitos em relação a tais débitos, sendo este um fator de risco inerente às operações de securitização.

Regulamentação. A regulamentação das SPPEs e LRS será realizada pela CVM, SUSEP/CNSP e pelo Banco Central/CMN: (i) a CVM deverá dispor sobre os aspectos de emissão e distribuição da LRS, em especial quanto sua oferta pública; (ii) SUSEP e CNSP regularão as atividades das SPPEs, os riscos poderão ser aceitos e os requisitos básicos do contrato subjacente de cessão dos riscos de seguro; e (iii) BACEN e o CMN regularão quais ativos poderão ser adquiridos pelas SSPEs e utilizados como lastro às LRS, dentro do rol de ativos permitidos para o mercado de seguro e resseguro. Além disso, em ato conjunto com a SUSEP, o CMN também deverá estabelecer as atribuições e responsabilidade dos agentes fiduciários na aceitação de riscos, dentre outras matérias de competência conjunta dessas autarquias.

Comentários Finais

A criação e a regulamentação das LRS contribuem para o desenvolvimento do mercado de seguros, do mercado de capitais brasileiro e, também, de infraestrutura.

De um lado, permite que o mercado de seguros aumente sua capacidade de forma eficiente, com a emissão de títulos no mercado local, sem precisar recorrer a resseguradoras estrangeiros.

Por outro lado, as LRS constituem uma nova oportunidade de investimento no mercado de capitais brasileiro, oferecendo baixa (ou nenhuma) correlação com instrumentos financeiros tradicionais.

Além disso, as LRS poderão ser utilizadas pelas seguradoras para aumentar a oferta de cobertura para grandes riscos, cujas dificuldades de subscrição dificultam a expansão do mercado de infraestrutura.

Por fim, espera-se que as SPPEs e a oferta de LRS sejam reguladas em breve para que essa nova forma de transferência de riscos possa sair do papel.

A MP 1.103 tem validade de 60 (sessenta) dias após sua publicação no Diário Oficial da União, prazo este automaticamente prorrogável por igual período, caso não tenha, entro deste prazo, sua votação encerrada em ambas as casas legislativas do Congresso Nacional. Se não convertida em lei dentro de tal período, a MP 1.103 perderá sua eficácia.