Veículo: O Globo

Data: 6/6/2018

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Para especialistas, medida atrai investidores. Presidente da Petrobras defende autonomia

BRASÍLIA e RIO – A decisão do governo de repassar para a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a definição de uma periodicidade mínima no reajuste dos combustíveis pode ajudar a Petrobras a vender parte de suas refinarias. Segundo uma fonte do governo envolvida nas negociações, a greve dos caminhoneiros — motivada pela insatisfação com os ajustes quase diários nos valores do diesel — reforçou a necessidade de aumentar a concorrência no setor. A regulamentação dos reajustes via ANP funcionaria como um anteparo técnico à ação do governo, mantendo a confiança dos investidores para avaliar unidades de refino que a Petrobras colocou à venda. Isso porque a regulação seria menos suscetível a mudanças em caso de troca de governo. Por outro lado, a iniciativa contraria interesses de importadores e desafia a Petrobras a resguardar sua autonomia para evitar prejuízos.

O novo presidente da estatal, Ivan Monteiro, reafirmou nesta quarta-feira, em seu primeiro comunicado aos funcionários, a defesa da política de preços, que repassa as oscilações da cotação internacional do petróleo e do câmbio para preservar suas finanças: “A capacidade de estabelecer nossos preços como um reflexo das variações do preço do petróleo, sem perdas para  companhia, e competir de igual para igual neste mercado são condições essenciais para que a Petrobras seja capaz de cumprir seu papel de empresa que gera riqueza e desenvolvimento. Não vejo nenhuma contradição entre esses objetivos”, afirmou o executivo na mensagem interna. Para o executivo, a empresa deve contribuir com uma solução para a atual crise provocada pela greve dos caminhoneiros, mas fez questão de renovar seu compromisso com “os princípios que consideramos essenciais para esse equilíbrio e para que a Petrobras consolide a recuperação que já começamos.”

Praticamente monopolista no refino, a estatal colocou à venda, em abril, uma participação majoritária de 60% em quatro refinarias em dois blocos regionais: Nordeste (Abreu e Lima e Landulpho Alves) e Sul (Alberto Pasqualini e Presidente Getúlio Vargas). O plano é ficar com o controle da operação no Sudeste, onde está a maioria das unidades de refino da companhia, o que manteria 75% do mercado brasileiro. Atualmente, tem mais de 95%.

FALTA DE COMPETIÇÃO

Na terça-feira, o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, defendeu a importância da venda de refinarias da Petrobras para estimular a competição nesse segmento. Nesta quarta, a ANP realizou a primeira reunião com representantes do setor de refino, distribuição e revenda de combustíveis para discutir sobre a consulta pública que a agência vai realizar de 11 de periodicidade do repasse dos reajustes de combustíveis.

– O reajuste periódico é razoável — avalia Mauricio Tolmasquim, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). — Fazer política energética não é interferir na empresa, mas manter regras claras aos investidores.

Giovani Loss, advogado do escritório Mattos Filho, explica que vários países adotam medidas para amortecer a variação internacional do preço do petróleo no mercado de combustíveis, como uso de impostos como colchão “amortecedor” ou adoção de uma periodicidade de reajuste. Apesar de considerar a política de preços da Petrobras correta, avalia que os incômodos aparecem pela falta de competição:

– Um mercado de preços livres, com uma empresa monopolista não é ideal. Por isso é preciso incentivar a concorrência no refino.

Para Luis Semeghini de Souza, do escritório Mello Torres, a perspectiva de alta da demanda por combustível com a recuperação da economia é um fator de atração de investidores para refinarias no Brasil que não muda. Ele lembra que uma eventual política de reajustes periódicos pode afetar os importadores de diesel e gasolina:

– Para os importadores é mais complicado, pois comprarão combustível de fornecedores cujo preço acompanha o mercado internacional e seu concorrente (a Petrobras) não estará repassando as oscilações (das cotações internacionais).

24% DO ABASTECIMENTO

Sérgio Araújo, presidente da Abicom, que reúne empresas responsáveis por 60% das importações de diesel e gasolina, diz que, se houver mudança na política de preços no refino, as importadoras vão se adaptar, mas defende o modelo de precificação adotado por Pedro Parente na Petrobras. Segundo ele, a política contribuiu para a descentralização no segmento de distribuição, pois muitas distribuidoras regionais com restrições de acesso à Petrobras passaram a comprar combustível das importadoras. As importações de diesel e gasolina responderam por 24% do abastecimento este ano, na média mensal.

A poucos meses do fim do mandato do presidente Michel Temer, integrantes do Executivo afirmam que não há tempo suficiente para mexer de forma significativa no mercado. Nesse momento, a principal aposta é na parceria que a ANP fez com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). De forma reservada, integrantes do Executivo criticam a postura do Cade, que vetou recentemente a venda da subsidiária Liquigás pela Petrobras para o grupo Ultra, mas não recomendou à estatal a venda de ativos. Em nota, o Cade informo que “somente pode determinar a venda de ativos a uma administrativos para investigação de conduta anticompetitiva”.

Ainda nesta semana, deverá ser editada uma portaria conjunta criando um grupo de trabalho para discutir a implementação de medidas para melhorar o mercado brasileiro de combustíveis. Os técnicos terão como referência um estudo recente do Cade que apresenta um conjunto de nove propostas, entre as quais a instalação de postos de autosserviço — ou seja, sem  frentistas —, o fim da proibição de importação pelas distribuidoras, a permissão para que os produtores de álcool vendam diretamente aos revendedores, a presença de postos de gasolina em hipermercados e outros espaços urbanos, além de mudanças na forma de tributação. (Danielle Nogueira)