O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) publicou, na última terça-feira (16.10), a versão final do Guia de Remédios Antitruste (“Guia”), que reúne as melhores práticas e procedimentos a serem adotados pelo CADE no desenho, aplicação e monitoramento de remédios quando da imposição ou negociação com as Partes de restrições sobre atos de concentração econômica submetidos à sua aprovação.
De acordo com o Guia, remédios antitruste são “restrições necessárias para corrigir os efeitos nocivos de um ato de concentração”, de maneira a evitar que a operação possa resultar na eliminação de concorrência em parte substancial de mercado relevante, no aumento da probabilidade de coordenação entre concorrentes, na criação ou reforço de posição dominante ou, ainda, na dominação de mercado relevante de bens ou serviços.
Os remédios antitruste podem incluir a venda de ativos tangíveis e intangíveis e/ou unidades de negócios das Partes de uma operação (“remédios estruturais”) assim como a imposição de comportamentos no curso de seus negócios (“remédios comportamentais”), devendo a sua aplicação levar em consideração as particularidades do caso concreto e do potencial dano à concorrência decorrente da operação.
Em conformidade com as melhores práticas internacionais, o CADE estabeleceu preferência por remédios estruturais (e.g., venda de negócio autônomo viável, Carving-out[1], Mix-and-match[2], dentre outros), em comparação aos remédios comportamentais, tendo em vista que aqueles tendem a ser mais efetivos (ao direcionarem a causa do dano concorrencial de forma mais direta) e menos custosos no que tange ao seu monitoramento pelo CADE.
As Partes deverão empreender esforços para realizar a venda dos ativos, e o prazo de desinvestimento poderá ser negociado com o CADE. O Guia revela preferência do CADE por compradores que não tenham qualquer relação societária com as Partes e comprovem capacidade financeira e operacional, além de não gerarem novas preocupações concorrenciais. A definição do comprador poderá ocorrer em três momentos: (i) antes de aprovada a operação, com pacote de ativos definido especificamente para o comprador (fix-it-first); (ii) após a aprovação da operação, cuja implementação fica condicionada à identificação do comprador (upfront buyer); e (iii) depois de consumada a operação, sendo que o não cumprimento da obrigação de desinvestimento poderá acarretar multa pecuniária e, até mesmo, o desfazimento da operação.
Por sua vez, remédios comportamentais costumam ser mais adequados em operações que envolvam integrações verticais. Os principais remédios comportamentais em integrações verticais relacionam-se a obrigações de concessão de acesso a insumos “fixos” (e.g., essential facilities ou direitos de propriedade intelectual). Esse tipo de solução é visto com parcimônia pelo Guia, principalmente em razão dos riscos atrelados ao longo período de implementação, adaptação e custos de monitoramento.
Caso seja necessário, o CADE designará a contratação pelas Partes de trustees, com mandatos específicos e respondendo diretamente ao CADE, para participar da implementação e monitoramento do remédio antitruste. De acordo com o Guia, o trustee poderá ser: (i) de monitoramento, responsável pela supervisão, implementação e efetiva realização dos remédios; (ii) de operação, que será o administrador nomeado especificamente para gerir o pacote de ativos enquanto este não é transferido para o comprador; e (iii) de desinvestimento, que poderá ser nomeado para assumir a condução de todo o processo de desinvestimento, caso as Partes não encontrem um comprador adequado no prazo estabelecido pelo CADE.
O Guia traz ainda orientações específicas para operações que envolvam setores regulados; e que sejam realizadas no exterior com efeitos no Brasil ou ainda realizadas no Brasil com efeitos em outras jurisdições (operações cross-border). No primeiro caso, o Guia prevê que os remédios devem levar em consideração as especificidades regulatórias do setor nos negócios e o diálogo entre o CADE e a agência reguladora competente. Já no caso de operações cross-border, o Guia estabelece que é desejável a cooperação entre autoridades de concorrência nas diversas jurisdições em que a operação produz efeitos, tanto no desenho e na implementação quanto no monitoramento dos remédios. Para tanto, a cooperação poderá incluir, mediante consentimento prévio das empresas (waiver of confidentiality), a troca de informações entre as autoridades, bem como o compartilhamento de remédios e trustees nas diversas jurisdições.
Embora não tenha caráter vinculante, o Guia traz as melhores práticas e recomendações a serem observadas pelo CADE e empresas no desenho, adoção e monitoramento de remédios antitruste. Desde 2016, o CADE reprovou 4 operações e aprovou outras 17 operações com restrições ou imposição de remédios, de maneira que o Guia já reflete essa experiência mais recente do CADE bem como as melhores práticas internacionais sobre o tema.
Espera-se, assim, que o Guia introduza orientações importantes para a condução de operações de fusões e aquisições (M&As) no País, desde a fase inicial de negociação entre as Partes, na alocação do risco antitruste nos instrumentos contratuais da operação, até a conclusão e fechamento da operação.
O Guia pode ser acessado na íntegra em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/copy_of_GuiaRemdios.pdf
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[1] Carving-out é “a separação de uma unidade de negócios da estrutura da empresa.”
[2] Mix-and-match são “desinvestimentos que combinam ativos e segmentos de negócios” de mais de uma das Partes envolvidas.